Quando nos sentimos tristes buscamos nos distrair, ocupar ou consular com coisas que nos alegrem. Não percebemos que desta maneira fortificamos a experiência da tristeza. Isto porque a tristeza a gente encara de frente, olhando direto em seus olhos. Experimente aceitar a tristeza quando ela se instala. Deixe por momentos que o aperto na glote se misture com o amargor do coração e, ao agarrar a tristeza, descubra sua esgotabilidade. Se corrêssemos ao encontro de todas as nossas tristezas, perceberíamos que elas são sintomas da alma e que das lágrimas que esta pode gerar surge a possibilidade do arco-íris, de um novo dia com renovada fé.
O medo da tristeza, portanto, fertiliza a sensação de desespero. Já a tristeza em si, ao contrário, é um dos portais rumo à fé. Afinal, acaso não será real a experiência que vivenciamos quando, depois de muito chorar, passamos a sentir nosso coração leve e vemos novas perspectivas surgirem diante de nós? A verdade é que não explicamos este fenômeno ao concebê-lo apenas como uma descarga de sentimentos, como se estes possuíssem um volume que pudesse ser escoado. A razão de a tristeza profunda ser seguida de uma sensação de esperança tem a ver com um ensinamento que descobrimos ao entregar-nos à tristeza. Revela-se a nós o fato de que cada instante traz em si os meios para que lidemos com ele. Por mais terrível que possa ser ou parecer nossa realidade, há sempre à nossa disposição uma forma de vivê-la.
Na verdade, acreditar que cada momento traz em si tudo o que ele mesmo possa vir a exigir de nós é a maior de todas as esperanças. Esta esperança traduz a confiança que temos em D’us, no Universo ou na Natureza de não violentar nosso intelecto. Sabemos que não podemos esperar nem cobrar que este mundo não nos faça conhecer nenhuma perda, ou até mesmo a perda de nossa própria vida. No entanto, é um ato de fé que não fere nossa experiência da realidade esperar que cada situação traga como parte de sua realidade os meios pelos quais podemos suportá-la e lidar com ela.
No Talmude há um dito que expressa uma lógica referente às leis que poderia ser estendida às leis naturais, existenciais e espirituais. Diz esta máxima: “Não se decretam leis ou éditos que não possam ser cumpridos.” Confiar não é o ato de esperar que nada de errado nos aconteça, mas acima de tudo ter certeza de que seja qual for o édito, este virá sempre acompanhado dos meios para ser suportado. Esta é, na realidade, exatamente a definição de não se desesperar.
Isto vale para a angústia e para a ansiedade: o fundamental não é que se procure sublimá-las, mas vivê-las. Quando vividas, elas se esgotam.
Esta capacidade de concentrar ansiedade, tristeza e luto não se consegue através de fuga, mas do enfrentamento destes sentimentos. Todos estes sentimentos podem ser relevados se vividos profundamente. A evidência maior se encontra no sorriso que desponta depois da entrega ao pranto, ou na sensação de triunfo e transcendência que experimentamos depois do sofrimento.
A tristeza é uma oportunidade, não deve ser perdida. Se ela passar por você, persiga-a com a certeza de que ela lhe indicará o caminho para um “oásis”. A tristeza, pois, tem o poder de restabelecer nossa confiança de que cada momento contém em si a forma de ser enfrentado. Cada vez que vivemos a tristeza e a suportamos, ela fortifica nossa esperança de que também nos céus prevaleça a lógica que evita que se baixem decretos que estejam além das possibilidades daqueles que estão sujeitos a cumpri-los.
Texto – A Arte de se Salvar – Nilton Bonder
Imagem – Cinco de Copas – Druid Craft Tarot
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